quinta-feira, 28 de julho de 2016

O poder da amamentação

O poder da amamentaçãoO aleitamento exclusivo deixa a criança mais resistente a um monte de doenças e evitaria cerca de 13% das mortes na infância.
 
Leite materno lembra coração de mãe. Sempre comporta mais um... benefício à saúde. Pois despontam novos motivos para não abrir mão da amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida - e, se possível, esticar as mamadas até a criança completar 2 anos de idade. Eles vêm de uma das maiores e mais completas investigações sobre o tema, recém-publicada no conceituado periódico médico The Lancet. Coordenado pelo epidemiologista brasileiro Cesar Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, o trabalho tabulou dados e avaliou estudos feitos nas últimas três décadas. Pelos seus cálculos, o aleitamento materno salvaria a vida de mais de 820 mil crianças no mundo anualmente.

Na análise, o Brasil aparece como referência no assunto - e, felizmente, a prática vem crescendo por aqui. Sorte a nossa. Victora e sua equipe detectaram uma relação direta entre a amamentação e a queda nos índices de doenças na infância, de diabete a infecções respiratórias. Os reflexos econômicos também são vultosos, já que englobam uma redução expressiva de custos no tratamento dessas desordens. Não por menos, o vice-presidente do Banco Mundial para Desenvolvimento Humano, Keith Hansen, cravou em texto assinado na mesma edição do The Lancet: "Se a amamentação não existisse, quem a inventasse deveria ganhar dois prêmios Nobel de uma vez: em medicina e economia".

A natureza, porém, é sábia. Logo no início da gestação, as mamas da mãe se preparam para oferecer, em breve, um manancial de nutrientes e substratos que moldam a imunidade do filho. "O leite materno é a primeira vacina do recém-nascido", afirma Isília Aparecida Silva, enfermeira obstétrica e professora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP). Durante a mamada, os anticorpos da mãe passam para o bebê, socorrendo seu sistema de defesa ainda imaturo para enfrentar sozinho vírus, bactérias nocivas e outros perigos.

Esse incentivo imunológico estaria por trás da proteção inclusive contra quadros graves como a leucemia. O elo foi descortinado por um time da Universidade de Haifa, em Israel: flagrou-se uma queda de 19% no risco da doença entre os pequenos alimentados só no peito no início da vida. Embora ainda se desconheça o porquê, os estudiosos supõem que substâncias do leite sejam capazes de impedir inflamações persistentes e associadas à multiplicação descontrolada de algumas células no sangue - o que abre caminho ao aparecimento da enfermidade.

A amamentação é daquelas criações da natureza que o homem dificilmente conseguirá copiar. "Existe uma comunicação perfeita entre a mama e a boca do bebê", já adianta a pediatra Lélia Cardamone Gouvêa, professora da Universidade Federal de São Paulo. Ela explica que a composição do leite varia de um dia para o outro e até durante uma mesma mamada, porque a produção vai se ajustando às necessidades da criança a cada contato. Se o pequeno estiver ameaçado por uma infecção, aumenta a carga de anticorpos no líquido, por exemplo.

Do ponto de vista nutricional, o alimento é fonte de cálcio, fósforo, magnésio, zinco, ferro... Até aí você pode dizer: mas o leite de vaca também traz esses minerais. É verdade. Só que, na versão materna, eles são mais bem absorvidos. Ao pacote de vantagens, somam-se vitaminas, proteínas, enzimas e gorduras do bem. Tamanho equilíbrio justifica outra tendência detectada pelo grupo da UFPel: a menor ocorrência de obesidade - e, por tabela, das suas consequências, como hipertensão e diabete - em quem ingere primordialmente leite do peito. "A hipótese é que a criança recebe uma dose adequada de nutrientes e calorias, e isso regularia seu apetite ao longo da vida", diz o epidemiologista e coautor do trabalho Bernardo Lessa Horta.

Para não dar chance à diarreia na infância, o leite guarda oligossacarídeos, um tipo especial de carboidrato. "Eles deixam o ambiente intestinal mais ácido, o que impede o crescimento de bactérias prejudiciais", esclarece a nutricionista Marcia Vitolo, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Além disso, amamentar traz uma vantagem indireta contra os desarranjos. "A criança não fica exposta à contaminação eventual de água usada no preparo de fórmulas ou de mamadeiras mal higienizadas", argumenta Isília. O uso indiscriminado das fórmulas, diga-se, é criticado na edição temática do The Lancet. Os cientistas acreditam que utilizar esses produtos sem necessidade atrapalha a tão almejada adesão a amamentação. "A mulher muitas vezes se rende, achando que seu leite não é farto e forte o suficiente. E isso não existe", enfatiza Lélia, que também leciona na Universidade Santo Amaro, na capital paulista. "Quanto mais ela levar o bebê ao seio, mais a produção será intensificada", frisa.

Para a fonte não secar

De fato, existem mulheres que, por razões físicas ou psicológicas, não podem amamentar. Os médicos afirmam, no entanto, que são raros os casos em que isso acontece por problemas anatômicos ou hormonais. Uma alternativa quando esse precioso alimento falta são os bancos de leite. Mas é importante, antes de pensar que o aleitamento já era, controlar a insegurança e procurar apoio especializado. Informar-se sobre como tirar proveito das sessões com o filho facilita a efetividade de uma rotina de mamadas. Com a pega correta da mama, a mulher não sofre as temidas fissuras na região e a criança tem outro ganho. "Os movimentos corretos de sucção e deglutição promovem o desenvolvimento harmônico da sua arcada dentária", diz a odontopediatra Sandra Kalil Bussadori, professora da Universidade Nove de Julho, em São Paulo.

Sem contar que a interação entre mãe e filho se reflete, mais adiante, no desempenho escolar e até no futuro profissional do pequeno. "O cérebro continua se desenvolvendo nos primeiros meses de vida, e o conforto emocional contribui para a comunicação entre os neurônios", explica Horta. O estudioso faz parte da equipe que acompanhou por três décadas 3 mil bebês nascidos em Pelotas nos anos 1980. Aqueles amamentados alcançaram até 7 pontos adicionais no teste de QI, o quociente de inteligência. O leite é rico em ácidos graxos de cadeia longa, como o DHA, gorduras da família do ômega-3. Tais ingredientes ajudam a compor a bainha de mielina, capa que recobre a cauda dos neurônios, favorecendo a conexão entre eles. Daí os ganhos cognitivos e intelectuais.

Além de turbinar a saúde do rebento, a mãe tira proveito para o próprio organismo ao amamentar. Segundo o levantamento do The Lancet, a prática impediria 20 mil mortes em decorrência de câncer de mama por ano. É que, durante o aleitamento, a mulher não produz estrogênio, hormônio que pode incentivar a formação de nódulos nos seios. "Além disso, como durante a gravidez há um crescimento acelerado de células mamárias, facilitando aglomerações, a amamentação agiliza a eliminação das estruturas que podem virar um câncer", conta o mastologista Luiz Henrique Gebrim, diretor do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. O ginecologista Julio Cesar Narciso Gomes, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, acrescenta o fator tempo para essa prática ser ainda mais favorável: "Estudos associam longos períodos de amamentação a uma menor predisposição a tumores, valendo a soma de diferentes gestações", revela.

O aleitamento passa a defender o corpo da mãe logo após o parto. "Durante as mamadas, se intensifica a liberação de ocitocina, hormônio responsável pelas contrações do útero, ajudando a diminuir o sangramento. Como consequência, cai também a incidência de anemia materna", explica a médica Marina Ferreira Rea, professora da pós-graduação em Nutrição e Saúde Pública da USP.

Outro hormônio, a prolactina, este envolvido na fabricação do leite, inibe a ovulação. O quadro tem o nome de amenorreia lactacional e funciona como um contraceptivo natural. Ele provê uma espécie de controle de natalidade - estima-se que em alguns países africanos haveria um acréscimo de 50% nos nascimentos se as mulheres não amamentassem. A pausa do período fértil justificaria ainda a redução em 30% nos casos de câncer de ovário. "A liberação dos óvulos cria pequenas cicatrizes nas glândulas. Quanto maior a frequência da ovulação, maior o risco de a região sofrer uma mutação, e, com ela, surgir um tumor", esclarece Gomes.
O aleitamento dá um descanso também para as células que fabricam insulina no pâncreas. Durante a lactação, esse hormônio não precisa ser liberado a torto e a direito porque a glicose é transferida da corrente sanguínea ao tecido mamário para a produção de leite. Estaria aí uma possível explicação para a menor incidência de diabete tipo 2 entre mulheres que deram de mamar. Pois é isso: some um alimento completo para a criança a vínculos afetivos inestimáveis entre mãe e filho, e subtraia dessa conta o risco de uma porção de doenças. Eis a fórmula mágica - e muito endossada pela ciência - da boa e velha amamentação.

Tesouro no banco

Algumas mulheres produzem mais leite do que o filho precisa. Outras não conseguem amamentar. Para equilibrar essa conta, foram criados os Bancos de Leite Humano, vinculados a maternidades.
O Brasil é referência: dos 292 bancos que existem no mundo, 72,9% estão em nosso país. Eles são responsáveis pela coleta, controle de qualidade e distribuição do leite arrecadado. Em 2015, quase 172 mil mulheres doaram mais de 136 mil litros por aqui. "O produto do banco de leite é perfeito do ponto de vista nutricional", garante a nutricionista Marcia Vitolo. E traz benefícios bem similares àquele que vai para a criança direto da fonte. 

Abaixo a repressão!

Começou na cidade de São Paulo, depois chegou ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre... Pipocam projetos de lei pelo país garantindo às mães o direito de amamentar em shoppings, restaurantes, supermercados, bancos e outros locais públicos sem sofrer nenhum constrangimento - mesmo que os estabelecimentos tenham espaço reservado para isso. Em São Paulo e no Rio, leis de âmbito estadual já preveem multa a pessoas que tentarem impedir uma mulher de dar o peito para o bebê em público. Afinal, que razão haveria para esconder um ato tão natural e saudável?
 
Fonte: Revista saúde

terça-feira, 19 de julho de 2016

Aveia: há razões de sobra para colocá-la na rotina

aveiaControlar o colesterol e o açúcar no sangue são alguns dos poderes do alimento.
 
Ela foi um dos primeiros alimentos a receber a alcunha de funcional. E é fácil, fácil entender o porquê. Para início de conversa, a aveia está lotada de betaglucana, uma fibra pra lá de poderosa. É por causa dessa substância que o alimento possui a reputação de amigo do peito. Entenda: a betaglucana reduz a absorção do colesterol da dieta e, para completar, inibe a produção dessa gordura pelo próprio organismo. Esse é um baita privilégio para as artérias, que ficam livres de partículas capazes de bloqueá-las e causar estragos. Se a intenção é manter os níveis de açúcar no sangue sob controle, a aveia também é a escolha perfeita. Afinal, tanta riqueza em fibras garante que a glicose seja absorvida de pouquinho em pouquinho, o que mantém a liberação de insulina regularizada. Quando essas duas moléculas não ficam perambulando pelo corpo, cai a possibilidade de uma pessoa desenvolver diabete tipo 2. Aliás, até quem já convive com a doença sai ganhando ao colocar a aveia no cardápio – justamente porque suas fibras impedem os temidos picos de glicemia. Esse efeito ainda tem repercussões no peso. É que se a insulina sobra na circulação, o corpo entende que precisa de mais glicose – isto é, de mais comida. Portanto, ao impedir a subida desse hormônio, pode-se dizer que aveia prolonga a saciedade. ]
 
Para contar com a ajuda da aveia no emagrecimento, uma boa pedida é salpicá-la na salada de frutas ou no iogurte logo pela manhã. Aí, é mais fácil chegar ao almoço sem aquela fome de leão. Pesquisas têm associado esse hábito até à prevenção de tumores. Isso porque, além de ser antioxidante, a betaglucana se ligaria a agentes químicos provenientes do cigarro ou da dieta, amenizando avarias no DNA. Em última instância, isso significa que cai o risco de um gene passar por uma mutação e, assim, impulsionar o surgimento de um tumor. Outra façanha creditada às fibras da aveia, principalmente lá pras bandas do intestino: como elas facilitam a formação de bolo fecal, ajudam a eliminar elementos potencialmente cancerígenos do nosso corpo. 

Agora, não pense que a aveia é reduto apenas de fibras. Apesar de esse ser o grande destaque do cereal, ele carrega um monte de outros compostos bem-vindos à saúde. É o caso das vitaminas do complexo B, essenciais para dar energia ao corpo e proteger o cérebro. O alimento ainda tem boas doses de vitamina E, que age como antioxidante. Um nutriente que também afugenta radicais livres e marca presença na aveia é o zinco. O silício, por sua vez, não deixa unhas e cabelo enfraquecerem. Além disso, a aveia é um dos grãos com maior concentração de proteínas. Definitivamente não faltam motivos para incluir de duas a três colheres desse cereal na rotina. 


As três principais versões para consumo

Flocos
 
Tende a conservar os principais nutrientes encontrados na aveia, já que o grão é prensado integralmente. Cai bem sobre frutas, saladas e iogurtes. É possível achar uma variedade de flocos finos, que são submetidos à moagem. Esse tipo é tradicionalmente usado no preparo de sopas, mingaus e tortas. 


Farelo
 
Ele é obtido a partir da camada externa do grão de aveia. Não à toa, é o produto que concentra uma maior concentração de fibras betaglucanas. Para ter ideia, são 9 gramas em cada 100 de farelo. Dá para salpicar sobre pratos já prontos ou incluir na receita de massa de pães, bolos e por aí vai. 


Farinha
 
Em geral, é proveniente da parte mais interna do grão. Por causa disso, fica atrás tanto do farelo como dos flocos quando o assunto é teor de fibras. Mas também é bem versátil. Pode ser incluída em receitas de pães, panquecas, bolos, tortas e afins. Resumindo, é uma boa alternativa à farinha de trigo. 


Dica de preparo
 
Uma das receitas mais clássicas com a aveia é o mingau. A receita básica leva 200 mililitros de leite, uma colher de sopa de aveia e uma colher de sobremesa de açúcar. Para cortar as calorias pela metade, basta investir no leite desnatado e esquecer o açúcar. 

Quer saber mais sobre outros alimentos poderosos? Nosso livro "50 alimentos funcionais - o que comer para fortalecer a imunidade, afastar doenças e chegar ao peso ideal" está nas bancas. Ele também está disponível em versão digital.

Fonte: Revista saúde

terça-feira, 12 de julho de 2016

Truques para aproveitar as fibras ao máximo

Truque fibras
Dá para atingir a recomendação diária sem sofrimento.
 
Aumentar o consumo de fibras traz um monte de benefícios ao organismo. Além de dar uma força na perda de peso, controlar a pressão e a glicose e diminuir o colesterol, a substância tem sido apontada como parceira da saúde respiratória e do sono. Tem mais: até ajudaria a prevenir câncer no intestino e em outras regiões.
Acontece que nem todo mundo consegue atingir a quantidade ideal de consumo – que gira em torno de 25 gramas diários. Para tornar essa tarefa mais fácil, é necessário caprichar no consumo de itens ricos em fibras. Mas há macetes para aproveitá-los melhor. Confira: 
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1. Não coe sucos
Quem faz isso está descartando uma quantidade (mesmo que mínima) das fibras localizadas no interior das frutas.


2. Coma, não beba
De qualquer forma, o suco nunca vai reunir o mesmo teor de fibras do que o encontrado nas frutas. Fora que ele tem mais calorias. Dê preferência ao alimento.


3. Coloque fibras em todas as refeições
Essa tática ajuda a alcançar os 25 gramas necessários por dia de maneira bem natural, sem sofrimento. Veja como é fácil: basta consumir cereais no café da manhã, vegetais e arroz integral no almoço e no jantar e frutas nos intervalos das refeições. 


4. Congele o feijão
Reserve um dia para preparar o feijão da semana inteira. Até porque, acredite, o alimento congelado tem um teor de fibras maior.


5. Incremente as receitas
Quando der, não hesite em usar fontes de fibras. Coloque aveia no iogurte, linhaça na salada de frutas...


6. Não desperdice as cascas e os talos
Eles abrigam muita fibra. Sempre que possível, aproveite. Isso vale para a casca da maçã, para o talo e as folhas da cenoura e por aí vai.

 
Fonte: Revista saúde

terça-feira, 5 de julho de 2016

Os transgênicos dominaram o mundo

Os transgênicos dominaram o mundo
Os alimentos geneticamente modificados representam mais de 90% de alguns cultivos, como os de milho e soja. Mas e daí? Investigamos se eles trariam ameaças à saúde — ao que tudo indica, perigosos mesmo são os pesticidas.
 
 
Um dos episódios mais trágicos da história da humanidade foi a Grande Fome da Irlanda, ocorrida entre 1845 e 1849. Nesse período, o fungo Phytophthora infestans devastou as plantações de batatas daquele país. O tubérculo era o principal — muitas vezes o único — alimento da maioria do povo. Sem ter o que comer, mais de 1 milhão de pessoas morreram e a migração em massa esvaziou campos e cidades, fazendo a população irlandesa reduzir 25%. Para evitar que catástrofes como essa se repitam é que a engenharia genética vem trabalhando nas últimas décadas. Graças a ela, hoje já existe no mercado uma variedade de batata imune à praga que afetou a Irlanda.

Esse é apenas um exemplo de como a ciência se prepara para alimentar a humanidade — ainda mais se considerarmos que, em 2050, seremos mais de 9 bilhões de bocas cheias de apetite. Vai haver comida pra tanta gente? Uma das soluções é apostar na transgenia. "Ela envolve selecionar em um ser vivo um gene com alguma característica vantajosa e transferi-lo para outro", simplifica a compreensão o biólogo Marcelo Menossi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista. Um dos objetivos é ampliar a produtividade, uma vez que há pouco espaço para expandir as lavouras.

Quem se beneficia mesmo dos organismos geneticamente modificados (OGMs) seriam os agricultores. "Sementes desse tipo possuem duas propriedades principais: tolerância a herbicidas, que são jogados no roçado para matar ervas daninhas, ou resistência a pragas, como lagartas, que destroem o vegetal", aponta o engenheiro agrônomo Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. Ele desenvolveu, por exemplo, um tipo de feijão capaz de passar ileso pelo vírus mosaico, um dos grandes inimigos das safras do grão. Mas... e no prato?

Os alimentos transgênicos estão aprovados para consumo no mundo há 20 anos e cada vez mais ganham espaço nas nossas refeições. Atualmente, 93% da soja brasileira é alterada geneticamente, assim como 82% do milho e 66% do algodão. Repare: os industrializados que utilizam esses ingredientes levam na embalagem um "T" dentro de um triângulo amarelo. Além do universo da comida, temos outras situações nas quais a transgenia mostra seu valor: toda a insulina injetada pelos diabéticos hoje é produzida por bactérias transgênicas. Antes, era preciso extrair o hormônio do pâncreas de porcos.

Embora os frutos dessa tecnologia pareçam perfeitos, ainda há muita polêmica em torno dos OGMs. "Além de os lavradores ficarem reféns das empresas, vantagens como a resistência a pragas não se mantêm por muito tempo", analisa o agrônomo Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina. E há quem tema que eles possam ameaçar nossa saúde. Será?

As pesquisas recentes mostram que os transgênicos não teriam efeitos nocivos. Uma revisão da Universidade de Perúgia, na Itália, examinou 1 700 artigos e não esbarrou em evidência de que eles provocam chabus. "Em 20 anos de uso, não há relato de malefícios", diz o agrônomo Geraldo Berger, diretor de regulamentação da Monsanto. Claro, ninguém sabe o que acontecerá daqui a um bom tempo — apesar de modelos animais não indicarem mesmo problemas. "Só vale lembrar que há um forte conflito de interesses, uma vez que parte dos estudos é patrocinada pelos produtores de sementes transgênicas", critica a nutricionista Ana Paula Bortoletto, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Um dos maiores temores é o crescimento dos casos de alergia. Os genes de algumas espécies causariam reações indesejáveis quando transmitidos para outro organismo. Isso até já ocorreu: os experts da Embrapa criaram um feijão mais rico em proteínas ao inserir um trecho do DNA da castanha-do-pará nele. Mas certas pessoas são alérgicas à castanha. Por tabela, também não tolerariam esse feijão. O trabalho, então, foi interrompido antes de chegar às prateleiras. Para evitar esse tipo de enrosco, as leis exigem que os primeiros testes já descartem a possibilidade de o transgênico ocasionar respostas anormais no organismo.

Ainda há apreensão em torno de uma possível resistência a antibióticos. É que alguns transgênicos são feitos de bactérias. Algumas informações genéticas delas, em tese, poderiam ser transferidas para o DNA de outros micro-organismos, como os do nosso trato digestivo, e, assim, dificultar o tratamento de infecções. Mas a probabilidade de isso se concretizar é mínima, garantem especialistas. "É o mesmo risco de um sujeito comer alface, o gene da clorofila passar para seu genoma e ele se transformar no Incrível Hulk", ironiza o agrônomo Aluízio Borém, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.

Uma das vantagens citadas sobre a engenharia genética é o fato de esses produtos utilizarem menos agrotóxicos. Dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Avanços em Agro-Biotecnologia apontam uma redução de 37% no uso de pesticidas e herbicidas no planeta nos últimos 20 anos. Porém, num período parecido, o Brasil se tornou o campeão mundial no emprego de venenos. Entre 2003 e 2013, o mercado de misturas químicas para a agricultura cresceu 190% por aqui, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

E quem recebeu mais desses agrotóxicos? Soja, milho e algodão, justamente as variedades transgênicas aprovadas. "Nosso país está na região tropical, com uma incidência alta de pragas, e a produção aumentou muito nessas décadas, o que eleva a demanda pelos químicos", justifica a bióloga Adriana Brondani, diretora do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.

Os entendidos dizem que o perfil dos pesticidas também se modificou bastante. "Os compostos de hoje são menos tóxicos que os de antigamente", assegura Borém. Além disso, o número de aplicações estaria abreviado. "No feijão, antes era necessário realizar 16 administrações para controlar os vírus que infestam o cultivo", calcula Aragão. "Com o transgênico, é preciso usá-los no máximo três vezes", compara.

O herbicida mais vendido para os vegetais modificados é o glifosato, que ganha dos órgãos regulatórios uma tarja verde, sinal de que seria seguro. Mas há muita controvérsia nessa classificação. "A própria Organização Mundial da Saúde admite que ele tem potencial cancerígeno", conta a nutricionista Julicristie Machado de Oliveira, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp. Seus efeitos na saúde e no meio ambiente carecem de investigações, e a própria Anvisa busca conduzir uma segunda avaliação sobre a toxicidade do material.

Os artigos relacionam os agrotóxicos — eles, sim — a diversos problemas, de distúrbios na tireoide a doenças neurológicas. O ideal seria bani-los, o que parece sonho impossível no atual modelo de vastas plantações e poucos cultivares. O engenheiro agrônomo Mateus Mondin, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, acredita que o panorama mudará. "A tendência é que apareçam maneiras alternativas de combater infestações sem se valer de químicos, como investir em agentes biológicos e micro-organismos", diz. Enquanto isso...

Incrementos à mesa

Os transgênicos entram numa novíssima fase: começam a ser fabricados alguns vegetais turbinados, que trariam benesses nutricionais para o consumidor. É o caso do arroz com betacaroteno e da alface cheia de ácido fólico. "As pesquisas com esses itens demoraram a apresentar bons resultados, mas eles devem dominar o mercado em breve", prevê o bioquímico Flavio Finardi Filho, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Para estudar, desenvolver e obter a chancela de um transgênico, as companhias levam mais de 15 anos e gastam centenas de milhões de dólares — daí a demora para provarmos as novas opções. E esse cenário acaba excluindo boa parte das pequenas iniciativas, uma vez que só os gigantes do ramo têm poderio para um investimento tão alto.

Julicristie questiona a validade dos novos transgênicos: "Será que precisamos mesmo de fortificação? Por que colocar ácido fólico na alface se a natureza já nos dá ótimas fontes do nutriente, como o espinafre?" O que nos resta é torcer para que todas as pendências políticas, ideológicas e científicas sejam resolvidas. Afinal, os 9 bilhões de seres humanos que viverão em 2050 estarão esperando comida farta, segura e saudável.

O que é um transgênico?

Entenda como nasce um deles

Seleciona
Cientistas identificam e extraem um gene de uma bactéria ou de um vegetal com algum poder interessante — como ser resistente a pragas.

Copia e cola
Esse pedaço de DNA é transferido para o código genético de uma planta, que ganha aquela particularidade da outra espécie.

O que a transgenia quer oferecer

Confira exemplos do que pode virar realidade nos próximos anos

Arroz dourado
Nas Filipinas, os cientistas criaram um arroz — o principal alimento de metade da população mundial — rico em betacaroteno, precursor da vitamina A, cuja falta provoca perda da visão e debilita a imunidade.

Alface para grávidas
A Embrapa desenvolveu uma alface com uma quantidade 15 vezes maior de ácido fólico. Bons teores do nutriente são importantes para a formação do bebê na gestação.

Tomate colorido
Na Esalq-USP, engenheiros cruzaram várias espécies e fabricaram um tomate com mais vitaminas que os convencionais. Ele é roxo por causa das doses extras de antocianina, substância que protege as artérias.

Soja tunada
A multinacional Monsanto inventou uma soja rica em ômega-3, gordura muito encontrada em peixes como sardinha e que faz muito bem para o peito.

Maçã duradoura
Uma empresa canadense conseguiu aprovação para um tipo da fruta que não escurece após ser cortada. O objetivo é evitar desperdícios.


Fonte:  Reportagem publicada originalmente na edição de maio de 2015 da Revista SAÚDE